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A irracionalidade à serviço da racionalidade na tomada de decisão

A decisão compartilhada, ou em grupo, é uma das pedras fundamentais da civilização ocidental moderna, a própria democracia tem como base este conceito. Mas até onde grupos tomam a melhor decisão? O quanto do objetivo esperado –enquanto decisão do grupo- é obtido em um comitê de aprovação do projeto ou na reunião de equipe para validar o cronograma?

No reino de Arthtur, as decisões eram compartilhadas pelos iguais

No reino de Arthtur, as decisões eram compartilhadas pelos iguais

Diz a lenda que o Rei Arthur possuía uma mesa de reuniões redonda, a Távola Redonda, onde todos eram iguais e portanto participavam igualmente das decisões ali tomadas. Na empresa em que trabalhamos, gostamos da ideia de participar dos eventos relevantes, incluído aí a tomada de decisão, este é o desejo natural pela democracia, ainda que uma empresa não seja uma instituição democrática.

A tomada de decisão em grupo nas empresas é uma teoria administrativa que mira em diversas vantagens como o aumento da satisfação no local de trabalho, a motivação propiciada pela participação, e que por fim resulta no clima organizacional positivo bem como no aumento de produtividade. O conceito popular de que “muitas cabeças pensam melhor do que uma” pode materializar-se em decisões com níveis de qualidade superiores aquelas decisões individuais. Apenas ainda não sabemos o que fazer com a percepção de que a tomada de decisão em grupo pode ser improdutiva e frustrante ao desperdiçar tempo -e dinheiro.

Max Gehringer, administrador de empresas e escritor, autor do livro Clássicos do Mundo Corporativo, diz em seu artigo As Sete Regras do Manual do ‘nunca’ para projetos: “nunca tente convencer, se você pode mandar”.

Existe um aspecto macabro da tomada de decisão em grupo e que é inerente ao principal ator em palco, o ser humano. Em 1964 um experimento liderado

The Milgram's Experience

A experiência de Milgram: E=Experimentador, S=Sujeito, A=Ator

pelo psicólogo Stanley Milgram colocou um grupo de voluntários em uma sala em que do outro lado, separado por uma fina parede, um dos voluntários selecionado aleatoriamente era posicionado sentado e amarrado a cadeira. A cada pergunta feita pelo pesquisador ao homem, e que este errasse a resposta, o grupo deveria pressionar um botão que infringiria a ele um choque elétrico. No início os choques eram leves e rápidos, mas com o tempo se tornaram fortes e intensos –em paridade com os gritos do voluntário. Por fim, após um longo choque, o homem emudeceu e o mal estar tomou conta do ambiente. Naturalmente este era um experimento, e o homem, um ator de verdade, nunca levou qualquer choque. O importante na pesquisa foi a constatação de que o grupo perdia a sensação de responsabilidade –no caso, para com a punição-, já que a decisão tomada era do “grupo” e não do individuo. Um teste de controle mostrava que sendo uma decisão individual, os participantes não infringiam tal nível de choque elétrico ao pobre homem.

Free Vermeulen

Freek Vermeulen, autor de Business Exposed

O professor da London Business School e autor do livro Business Exposed, Freek Vermeulen, fala sobre a inclinação das pessoas em imitar o comportamento dos outros. De fato este talvez seja um dos nossos primeiros impulsos, e o responsável por aprendermos a falar, andar e… a tomar decisões. É fácil imaginar uma reunião para tomada de decisão onde o primeiro a se aventurar em opinar é seguido pelos demais, enquanto outro grupo simplesmente se omite. Alias, a omissão é explicada por Freek como uma inibição e não como um sinal de concordância; “quem cala consente”. O fato é que ninguém gosta de ser a minora, seja torcendo por um time de futebol ou durante uma decisão importante na Companhia. “A consequência disso é que, numa reunião, pode ocorrer de todos estarem divergindo, mas ninguém se manifestar por relutância“, afirma o professor.

Então o que fazer com a decisão compartilhada, agora que a endemoniamos? Algumas vezes é necessário derrubar paredes para construir alicerces. Então vamos saber extrair da decisão compartilhada o seu melhor e da melhor maneira, a fim de garantir que em um comitê de aprovação do projeto, ou na reunião de equipe para validação –e naturalmente aprovação- alcancemos o comprometimento e a maturidade superiores.

Norman Maier, psicólogo experimental americano, defende o método da decisão em grupo na prática do comando eficaz. Em seus estudos, Maier leva em consideração duas dimensões. A primeira é o peso social interno, e a segunda é o peso na eficiência organizacional. Criando uma matriz destas duas dimensões, poderemos encaixar cada decisão em um quartil. Maier concluiu que é possível diminuir sensivelmente os vícios da decisão compartilhada ao eleger um “animador profissional”.

Maier's Matrix

Matriz imaginária de Maier para modelo de decisão

Esta figura é responsável por manter elevado o nível da discussão, valorizando a esfera da informação e conduzindo de forma habilidosa à escolha de uma solução. O animador profissional tem lugar nas decisões críticas, onde o espaço para a manobra é reduzido, e o grupo não pode decidir além de determinados limites. Há mais um aspecto nesta forma de tomada de decisão, obter uma decisão que não é uma decisão. O animador manipula o grupo para uma decisão mais ou menos predeterminada, dando palavra à pessoa certa, suspendendo a reunião, ou declarando a reunião terminada no minuto oportuno. Habilidade é essencial para realizar tudo isto sem que os membros tenham percepção de manipulação enquanto se obtém o melhor do processo de resistência a mudanças, a “aceitação das consequências da decisão”.

Manhattan Connection guys

Comentaristas do programa Manhattan Connection. Lucas Mendes (ao centro) é exemplo de animador profissional de Maier

O modelo sugerido por Maier me faz lembrar muito o programa Manhattan Connection, exibido no canal pago Globo News. No ar a 19 anos, comentaristas políticos, econômicos e culturais debatem sobre diversos destaques da semana. Uma mesa de discussão por vezes caótica, mas que é habilmente coordenada pelo jornalista Lucas Mendes, que faz o papel de animador profissional trazendo o assunto e direcionando a discussão até obter (quase sempre) o resultado. Resultado que se pode imaginar de antemão ser o esperado.

Planejar a tomada de decisão compartilhada, e realizar o processo de uma forma menos ortodoxa, pode tornar fácil implementar um bom sistema decisório. O esforço despendido na atividade é recompensado com motivação, participação e comprometimento dos envolvidos na concretização prática da decisão.

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O perigo da persistência de decisão na gestão de projetos

Recentemente estive conversando com um colega, durante um happy hour, sobre projetos bons que culminam em resultados ruins. A despeito de que em encontros de happy hour não se deveria falar de trabalho, a conversa em si rendeu algumas boas reflexões.

Se as pirâmides fossem software, as da frente seriam a versão trial

Desde a época em que cursava o colegial técnico em processamento de dados -ha longínquos treze anos atrás-, já via os números relativos a projetos de sistemas de informação serem motivo de chacota. Lembro-me que um dos meus professores da época realizava a comparação da engenharia de software com a engenharia civil, invariavelmente enaltecendo a capacidade de gestão e construção da civil em relação a de software. Pois bem, os engenheiros civis começaram construindo as pirâmides ha cinco mil anos atrás, nós mal começamos perfurando cartões a pouco mais de cinquenta anos. Historicamente, eles estão bem mais adiantados do que nós, pensava eu.

Retornando ao assunto, este meu colega comentava sobre um projeto do qual era o gerente, e que potencialmente representava uma importante evolução na Companhia, mas que por fim estava se transformando em um fracasso milionário. A minha insana curiosidade não deixou de se aguçar para entender, afinal, porque tamanha discrepância entre planejado e realizado.

O tal projeto, com orçamento de quase um milhão e meio de Reais, atendia quatro dos cinco clássicos motivos de iniciação: necessidade estratégica, demanda do mercado, solicitação do cliente e avanço tecnológico. Não se encaixando apenas no atendimento a requisitos legais. Sem querer discorrer de tantos outros detalhes, principalmente por motivos éticos, posso me limitar a dizer que o projeto objeto de nossa discussão era interessante e promissor. Mas então, o que falhou?

Chaos Report 2009

Segundo o Chaos Report de 2009 publicado por Standish Group, 32% dos projetos de TI obtiveram sucesso –dentro do prazo, orçamento, escopo e com qualidade (!). Em uma comparação com o relatório anterior publicado em 2006, o percentual caiu três pontos, quando era de 35%. Ainda assim, o cenário melhorou muito, pois na época em que eu cursava o colegial, o relatório de 1998 indicava 26% de sucesso.

Com certeza podemos apontar muitos motivos para que tantos projetos tenham falhado (se construíssemos pontes, imagine que 68% delas caíram). Aqui vamos apenas nos ater ao projeto do meu colega. De toda a triste história, o que me chamou atenção, e que poderia até ser deixado em segundo plano, foi a intervenção direta do Diretor de Informática durante o processo de seleção de fornecedores. Após definir as aquisições necessárias, e passar pelo ritual de requisição de propostas, a equipe do projeto classificou os fornecedores e identificou aquele que melhor atendia aos requisitos definidos no início do processo. Ainda que seja questionável, a decisão final sobre qual fornecedor seria contratado era do Diretor, e este decidiu pelo fornecedor com menor custo e maior risco (segundo os relatórios da equipe). É aqui que começa a minha particular análise, não para questionar a árvore decisória da companhia do meu colega –quem disse que é questionável? E sim, para traçar um paralelo a interessante teoria psicológica do “Efeito de congelamento”, fundamentada por Kurt Lewin depois da Segunda Guerra Mundial.

Kurt Lewin fundamentou a Teoria de Três Etapas

Após a decisão, pelo Diretor, de contratação do fornecedor menos apto, segundo a equipe de projeto, o trabalho de desenvolvimento do software teve início. Não demorou para que problemas de qualidade e prazo tivessem início, e num primeiro momento foram contornados dentro da gestão do projeto. Com o tempo e a insistência das ocorrências, os marcos do cronograma prosseguiam desrespeitados, e relatórios foram emitidos com soluções alternativas e seus cenários projetados definidos. Por fim, a equipe de gestão acionou diretamente o Diretor para que fosse tomada uma decisão em relação ao fornecedor. Na primeira incursão, a decisão foi pela manutenção do fornecedor, e um discreto pedido de atenção do mesmo. Ainda houve outras três ou quatro rodadas, onde o mesmo processo de identificação, criação de opções e tomada de decisão foi repetido, sempre com o resultado similar; a manutenção do fornecedor. Ou seria; a manutenção da decisão?

As pessoas tendem a aderir às suas próprias decisões, promovendo a manutenção do comprometimento com a primeira decisão, em uma escalada de decisões. Isto ajuda a explicar o motivo pelo qual o Diretor manteve sua decisão pelo fornecedor, mesmo tendo acesso a relatórios que o desaconselhavam. A decisão pela seleção do fornecedor foi livremente dele. Esta primeira decisão é o alicerce do efeito de “Escalada de comprometimento” (Barry M. Staw, 1976). Segundo a teoria psicológica, a decisão inicial congela o sistema de escolhas possíveis do individuo, fazendo com que ele mantenha o foco em comprometer-se com o comportamento que mais faz sentido à sua decisão. Afinal, este é o comportamento comum e esperado das pessoas, pois em uma sociedade organizada o que aconteceria se todos passassem a se comportar de uma maneira, após se comprometer com outra? Portanto, este efeito é um bloco básico da construção da personalidade.

Do mesmo modo que o processo de Efeito de congelamento explica a atitude do Diretor em manter sua decisão, também explica o motivo pelo qual a equipe de gerenciamento do projeto, após analisar o desempenho do fornecedor, foi capaz de buscar soluções e sugerir até mesmo a substituição do fornecedor: a decisão inicial não foi deles. Sem o comprometimento com a decisão, a equipe estava livre para utilizar de forma racional as informações obtidas. É especialmente interessante entender que este fenômeno psicológico existe e como ele funciona, pois assim podemos gerencia-lo e buscar formas de impedir seus efeitos perversos, explorando e maximizando suas virtudes.

Naturalmente o episódio do meu colega não é uma exceção, como os números do Chaos Report comprovam. Com mais certeza ainda não são todos os projetos que possuem problemas com fornecedores. Projetos de sistemas de informação possuem tantos pontos de atenção, que um gerente de projetos de TI deveria ser promovido a um deus (um pouco de chauvinismo). O que interessa extrair deste conto é a lição.

Assim como o Efeito de congelamento compreende a Escalada de comprometimento, também estão relacionados outros dois conceitos: a Despesa irreversível e a Armadilha.

Posso imaginar que em determinado momento, ao apresentar-se ao Diretor, a equipe de gerenciamento do projeto sugeriu a substituição do fornecedor. Este por sua vez deve ter argumentado –com mais ou menos emoção- que o projeto já havia despendido recursos financeiros com o tal fornecedor e, portanto, não seria prudente o substituir. Este é um exemplo do julgamento pela Despesa irreversível, o fenômeno que ocorre quando o individuo persiste na decisão porque investiu anteriormente, dinheiro, tempo, esforço, em detrimento de outras decisões potencialmente mais vantajosas.

Vale lembrar que o hipotético manual do bom gerenciamento de projetos diz que não se deve considerar, ao decidir pela continuidade do projeto, esforços já realizados (na norma contábil, estes são custos afundados). Portanto, por si só, um bom gerenciamento do projeto já deveria ser suficiente para evitar que o fenômeno da Despesa irreversível contaminasse a tomada de decisão.

E quanto aos marcos de cronograma, uma de suas funções não é a de servir como ponto de verificação para ajudar a controlar o projeto? Sim. Mas, talvez não foram utilizados de forma satisfatória. O último fenômeno, a Armadilha, pode ajudar a entender como melhorar o uso dos marcos.  Quem sabe no projeto do meu colega, este conceito poderia ter ajudado na correção do rumo, e garantido que o resultado final fosse o almejado.

Prompt to continue with the project

E agora?

Uma experiência realizada em 1979 por Joel Brockner, Myril C. Shaw e Jeffrey Z. Rubin, mostrou que jogadores expostos a oportunidade de decisão para continuar ou parar de apostar, perdiam menos quando eram obrigados a decidir por continuar. Por outro lado, aqueles que, na mesma oportunidade, apenas agiriam caso decidissem parar, perdiam mais.

O marco de cronograma geralmente funciona como no primeiro caso da experiência citada. Há um marco, onde a oportunidade de decisão ocorre. Caso não seja tomada uma enérgica decisão, o projeto continua por inércia. Assim como o apostador que perde mais, o projeto permanece consumindo mais recursos, ainda que esteja fora de controle. A lição aprendida entra aqui, pois bastaria mudar a forma como o marco do cronograma funciona, para que a Armadilha da decisão inicial seja controlada. Desse modo, em cada marco do projeto, se não houver uma decisão, o projeto então é interrompido. Radical? Talvez. Agora pense nos recursos economizados em contrapartida a um gerenciamento mais agressivo.

Nesta conversa de botequim com meu colega, e por consequência na reflexão do caso que ele apresentou, não esperava descobrir a pedra filosofal da gestão de projetos. Mas fiquei contente por termos entendido um pouco mais da psicologia humana, e como ela nos conduz de forma sutil e transparente.